Por: *Augusto Bernardo Cecílio
Em setembro de 2020 o atual governo federal enviou ao Congresso Nacional uma proposta de Reforma Administrativa, a PEC 32/2020, com a justificativa de combater “privilégios” do serviço público no Brasil. Isso avançou sem discussão com a sociedade, que pudesse construir um desenho de reforma necessária aos desafios colocados, e nem houve apresentação de nenhum estudo técnico que apontasse tais privilégios ou sustentasse a máxima de que o Estado brasileiro é muito grande, provocando dúvidas na sociedade e profunda inquietação entre os servidores públicos e aqueles que se preocupam com a prestação de serviços de qualidade.
Estranhamente, alguns servidores continuam a pensar que não serão atingidos e até brigam pelos seus políticos de estimação. A tal reforma será cruel com todos, inclusive com os que já se aposentaram e até os penionistas. Ela vai quebrar a paridade entre ativos e inativos (que é um mecanismo de reajuste de aposentadorias que ainda abrange muitos servidores).
Vai criar novos planos de cargos e carreiras, com salários iniciais rebaixados, e acabar com os atuais. Logo, o salário de quem já se aposentou ficará congelado, pois perderá a referência num cargo da ativa.
E mais: o sistema previdenciário dos servidores vai entrar em colapso, já que depende das contribuições do pessoal da ativa, mas os novos servidores passarão a contribuir ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS, junto com os trabalhadores da iniciativa privada, um imenso desrespeito contra quem dedicou toda uma vida para trabalhar em benefício da população.
Mas um fantasma volta para assombrar: as recentes afirmações à imprensa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), aliado do atual governo, de que pretende retomar, já nas próximas semanas, os debates acerca da PEC 32. Isso em pleno segundo turno, dando a entender que não temem os votos dos servidores.
Diante disso, o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado – Fonacate, publicou nota à Nação alertando que uma pretensão como essa é antidemocrática, haja vista ainda estar em curso o processo eleitoral, este sim, definidor das prioridades e escolhas do país nos próximos quatro anos. Além disso, trata-se de manobra açodada, uma vez que as atenções da população e dos parlamentares permanecem concentradas nas urnas neste mês de outubro, não havendo tempo adequado para tratamento de tema de tamanha envergadura e impacto social pela atual Legislatura. E o ato da Mesa da Câmara nº 257, de 5 de outubro, que faculta o registro de presença e votação apenas pelo aplicativo lnfoleg só agrava esse quadro.
Em diversas ocasiões, ao longo dos últimos dois anos, as afiliadas ao Fórum demonstraram que a reforma proposta apresenta uma série de inconsistências que, ao contrário da necessária modernização, apontam para o aumento do assédio moral e do clientelismo na Administração Pública, para o enfraquecimento do concurso público, da estabilidade e da autonomia técnica dos servidores e, sobretudo, para a entrega do público ao privado via instrumentos de cooperação.
O próprio fato de o Parlamento não concluir a apreciação da PEC, muito menos votá-la antes das eleições, demonstra as debilidades e a falta de respaldo da matéria perante a sociedade.
O Fonacate entende que é necessário aguardar o resultado final das urnas e o início da próxima Legislatura para a retomada do debate em torno da reforma administrativa. Além disso, que a construção de uma reforma administrativa republicana, que compreenda as necessidades do setor público e dos destinatários dos serviços prestados, deve ouvir especialistas no assunto e a população interessada, o que certamente redundará no abandono definitivo da PEC 32.
No caso de retorno da matéria à ordem do dia no Congresso, as entidades do Fórum trabalharão junto aos parlamentares compromissados com o país pela rejeição da proposta.
*Auditor fiscal e professor.