18 de novembro de 2025 | 16:25

ARTIGO: Contratos digitais: como transformar conveniência em segurança jurídica

Por: Marcelo Teske

 A transformação digital vem alterando a forma como as empresas negociam, celebram e executam contratos, ela reinventou completamente o ambiente contratual. O que antes dependia de papel, presença física e prazos longos, hoje se resolve em minutos, com alcance global e rastreabilidade total. Mas essa verdadeira revolução traz consigo novos riscos e exige atenção redobrada à segurança jurídica.

A digitalização dos contratos empresariais trouxe ganhos evidentes, como agilidade, escalabilidade, redução de custos e expansão internacional. Hoje, empresas podem fechar acordos com parceiros em diferentes fusos horários no mesmo dia, operar com fornecedores em qualquer continente e gerenciar milhares de contratos simultaneamente.

A integração com sistemas como CRM e ERP permite uma visão 360º das obrigações contratuais, enquanto cláusulas inteligentes e automações reduzem erros e aumentam a eficiência. Essa dinâmica resultou em uma aceleração sem precedentes no ciclo de vida dos contratos: o tempo de fechamento foi drasticamente reduzido, de dias ou semanas para horas ou até minutos, ampliando a competitividade e permitindo uma expansão global imediata, sem barreiras geográficas e com operação contínua, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Além disso, a tecnologia viabilizou novos modelos de negócio antes impraticáveis no meio físico, como os Contratos por API, estabelecidos e executados por integrações de sistemas; os Microcontratos de alto volume; e os Contratos Dinâmicos, cujos termos se ajustam automaticamente a índices ou condições de mercado. Também se consolidou a Economia de Assinatura, com gestão automatizada de chancelas e renovações, o que pode reduzir custos operacionais em até 80% com impressão, armazenamento e logística.

Toda essa velocidade e dinâmica, no entanto, exige governança. O volume crescente de transações digitais aumenta a exposição a riscos jurídicos, como fraudes, adulterações e disputas sobre autenticidade e validade. A prevenção passa pela adoção de tecnologias e políticas de governança robustas, como o uso de plataformas certificadas que suportem a ICP-Brasil e garantam criptografia end-to-end, além da implementação de trilhas de auditagem completas e imutáveis, que registrem data, hora, IP, dispositivo e a ação exata de cada usuário.

Também é essencial adotar políticas claras de gestão documental e, no caso de armazenamento em nuvem, escolher provedores com certificações de segurança (ISO 27001, SOC 2) e firmar Data Processing Agreements (DPA), garantindo criptografia em repouso e em trânsito.

É nesse ponto que a legislação brasileira exerce papel fundamental, e tem respondido bem. O Código Civil, o Marco Civil da Internet (MCI), a Medida Provisória 2.200-2/2001 e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) compõem um arcabouço sólido que assegura validade, integridade e proteção aos contratos digitais.

O Código Civil estabelece a base de validade, consagrando o princípio da liberdade de forma (art. 107), que permite a celebração eletrônica de contratos sempre que a lei não exigir forma específica. Também reconhece os instrumentos particulares (arts. 219 e 220), categoria na qual se enquadram os documentos eletrônicos, desde que atendam aos requisitos de validade.

A assinatura com certificado ICP-Brasil, amparada pela MP 2.200-2/2001, tem presunção legal de veracidade (art. 1º), equiparando-se a documentos físicos com firma reconhecida. O ordenamento jurídico brasileiro define, implicitamente, uma hierarquia de assinaturas: a Assinatura Digital (ICP-Brasil), que oferece o mais alto nível de segurança jurídica; a Assinatura Eletrônica Avançada, que utiliza mecanismos robustos de identificação, ainda que sem certificação; e a Assinatura Eletrônica Simples, aceita pelas partes, mas com menor força probatória em caso de litígio.

Em caso de litígio, a comprovação da autenticidade e integridade de um contrato digital é amplamente amparada pelo Código de Processo Civil (CPC), que reconhece a admissibilidade de provas eletrônicas (art. 369). Essa comprovação pode ser feita por diversos meios técnicos, como o hash criptográfico, que funciona como uma “impressão digital” única do documento; o timestamping (carimbo de tempo), que comprova o momento exato da existência do arquivo; as trilhas de auditoria (audit trail), que registram de forma imutável e detalhada todo o ciclo de vida do contrato; os metadados documentais, extraídos por perícia forense; e a ata notarial eletrônica, que confere fé pública (art. 384 do CPC) ao registro de conteúdo digital.

Apesar da solidez do arcabouço legal brasileiro, a globalização dos contratos impõe novos desafios. Contratos transnacionais exigem análise jurisdicional prévia, pois podem estar sujeitos a legislações distintas (LGPD, GDPR, CCPA, entre outras). Em caso de conflito, costuma prevalecer o padrão mais rigoroso (“race to the top”) de proteção ao titular de dados. Por isso, cláusulas contratuais robustas devem definir com clareza os papéis de controlador e operador, as bases legais, as condições de transferência internacional e os mecanismos de adequação (como cláusulas contratuais padrão e certificações).

Os próximos desafios estão em acompanhar a evolução. Smart contracts e jurisdições transnacionais, que ainda carecem de regulamentação específica, mas as tendências que guiarão o futuro próximo já se delineiam: o avanço dos Contratos Inteligentes Avançados, com execução automática cada vez mais sofisticada; o uso de Inteligência Artificial (IA) na gestão contratual, permitindo a análise e extração de cláusulas; a integração de dados contratuais com Open Banking e Open Finance; a adoção de Contratos como Dados, estruturados para possibilitar analytics e inteligência de negócios; e a Tokenização Contratual, que utiliza NFTs para representar direitos e obrigações de forma descentralizada.

O caminho está pavimentado. Empresas que investem em conformidade, tecnologia e boas práticas jurídicas dispõem hoje de um ambiente seguro, eficiente e competitivo para operar digitalmente. A era dos contratos digitais não é apenas uma tendência, é uma realidade que exige preparo técnico, visão estratégica e atenção regulatória. Quem souber navegar por ela com segurança jurídica terá uma vantagem decisiva no mercado.

Marcelo Teske, Sócio da Bornhausen & Zimmer Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), com experiência em direito do consumidor e civil, tanto no jurídico interno quanto como assessor jurídico externo.

 

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