18 de novembro de 2025 | 14:40

ARTIGO: Contratos digitais: como transformar conveniência em segurança jurídica

Por: Marcelo Teske

 A transformação digital vem alterando a forma como as empresas negociam, celebram e executam contratos, ela reinventou completamente o ambiente contratual. O que antes dependia de papel, presença física e prazos longos, hoje se resolve em minutos, com alcance global e rastreabilidade total. Mas essa verdadeira revolução traz consigo novos riscos e exige atenção redobrada à segurança jurídica.

A digitalização dos contratos empresariais trouxe ganhos evidentes, como agilidade, escalabilidade, redução de custos e expansão internacional. Hoje, empresas podem fechar acordos com parceiros em diferentes fusos horários no mesmo dia, operar com fornecedores em qualquer continente e gerenciar milhares de contratos simultaneamente.

A integração com sistemas como CRM e ERP permite uma visão 360º das obrigações contratuais, enquanto cláusulas inteligentes e automações reduzem erros e aumentam a eficiência. Essa dinâmica resultou em uma aceleração sem precedentes no ciclo de vida dos contratos: o tempo de fechamento foi drasticamente reduzido, de dias ou semanas para horas ou até minutos, ampliando a competitividade e permitindo uma expansão global imediata, sem barreiras geográficas e com operação contínua, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Além disso, a tecnologia viabilizou novos modelos de negócio antes impraticáveis no meio físico, como os Contratos por API, estabelecidos e executados por integrações de sistemas; os Microcontratos de alto volume; e os Contratos Dinâmicos, cujos termos se ajustam automaticamente a índices ou condições de mercado. Também se consolidou a Economia de Assinatura, com gestão automatizada de chancelas e renovações, o que pode reduzir custos operacionais em até 80% com impressão, armazenamento e logística.

Toda essa velocidade e dinâmica, no entanto, exige governança. O volume crescente de transações digitais aumenta a exposição a riscos jurídicos, como fraudes, adulterações e disputas sobre autenticidade e validade. A prevenção passa pela adoção de tecnologias e políticas de governança robustas, como o uso de plataformas certificadas que suportem a ICP-Brasil e garantam criptografia end-to-end, além da implementação de trilhas de auditagem completas e imutáveis, que registrem data, hora, IP, dispositivo e a ação exata de cada usuário.

Também é essencial adotar políticas claras de gestão documental e, no caso de armazenamento em nuvem, escolher provedores com certificações de segurança (ISO 27001, SOC 2) e firmar Data Processing Agreements (DPA), garantindo criptografia em repouso e em trânsito.

É nesse ponto que a legislação brasileira exerce papel fundamental, e tem respondido bem. O Código Civil, o Marco Civil da Internet (MCI), a Medida Provisória 2.200-2/2001 e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) compõem um arcabouço sólido que assegura validade, integridade e proteção aos contratos digitais.

O Código Civil estabelece a base de validade, consagrando o princípio da liberdade de forma (art. 107), que permite a celebração eletrônica de contratos sempre que a lei não exigir forma específica. Também reconhece os instrumentos particulares (arts. 219 e 220), categoria na qual se enquadram os documentos eletrônicos, desde que atendam aos requisitos de validade.

A assinatura com certificado ICP-Brasil, amparada pela MP 2.200-2/2001, tem presunção legal de veracidade (art. 1º), equiparando-se a documentos físicos com firma reconhecida. O ordenamento jurídico brasileiro define, implicitamente, uma hierarquia de assinaturas: a Assinatura Digital (ICP-Brasil), que oferece o mais alto nível de segurança jurídica; a Assinatura Eletrônica Avançada, que utiliza mecanismos robustos de identificação, ainda que sem certificação; e a Assinatura Eletrônica Simples, aceita pelas partes, mas com menor força probatória em caso de litígio.

Em caso de litígio, a comprovação da autenticidade e integridade de um contrato digital é amplamente amparada pelo Código de Processo Civil (CPC), que reconhece a admissibilidade de provas eletrônicas (art. 369). Essa comprovação pode ser feita por diversos meios técnicos, como o hash criptográfico, que funciona como uma “impressão digital” única do documento; o timestamping (carimbo de tempo), que comprova o momento exato da existência do arquivo; as trilhas de auditoria (audit trail), que registram de forma imutável e detalhada todo o ciclo de vida do contrato; os metadados documentais, extraídos por perícia forense; e a ata notarial eletrônica, que confere fé pública (art. 384 do CPC) ao registro de conteúdo digital.

Apesar da solidez do arcabouço legal brasileiro, a globalização dos contratos impõe novos desafios. Contratos transnacionais exigem análise jurisdicional prévia, pois podem estar sujeitos a legislações distintas (LGPD, GDPR, CCPA, entre outras). Em caso de conflito, costuma prevalecer o padrão mais rigoroso (“race to the top”) de proteção ao titular de dados. Por isso, cláusulas contratuais robustas devem definir com clareza os papéis de controlador e operador, as bases legais, as condições de transferência internacional e os mecanismos de adequação (como cláusulas contratuais padrão e certificações).

Os próximos desafios estão em acompanhar a evolução. Smart contracts e jurisdições transnacionais, que ainda carecem de regulamentação específica, mas as tendências que guiarão o futuro próximo já se delineiam: o avanço dos Contratos Inteligentes Avançados, com execução automática cada vez mais sofisticada; o uso de Inteligência Artificial (IA) na gestão contratual, permitindo a análise e extração de cláusulas; a integração de dados contratuais com Open Banking e Open Finance; a adoção de Contratos como Dados, estruturados para possibilitar analytics e inteligência de negócios; e a Tokenização Contratual, que utiliza NFTs para representar direitos e obrigações de forma descentralizada.

O caminho está pavimentado. Empresas que investem em conformidade, tecnologia e boas práticas jurídicas dispõem hoje de um ambiente seguro, eficiente e competitivo para operar digitalmente. A era dos contratos digitais não é apenas uma tendência, é uma realidade que exige preparo técnico, visão estratégica e atenção regulatória. Quem souber navegar por ela com segurança jurídica terá uma vantagem decisiva no mercado.

Marcelo Teske, Sócio da Bornhausen & Zimmer Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), com experiência em direito do consumidor e civil, tanto no jurídico interno quanto como assessor jurídico externo.

 

Leia também outras matérias

Luto no samba: coreógrafo Fábio de Mello morre aos 61 anos

Redação Zero Hora AM

Contratação direta dos profissionais da Saúde pelo governo do AM está perto de virar realidade

Redação Zero Hora AM

Homem recebe R$ 900 mil de salário por engano e não devolve ao patrão; o que você faria?

Redação Zero Hora AM
Carregando....