Após quatro décadas de mercado, dois dos automóveis mais vendidos no País, responsáveis pela introdução de novas tecnologias e com legiões de fãs, vão deixar de ser produzidos.
Os ícones Fiat Uno e Volkswagen Gol são os últimos remanescentes da chamada era dos carros populares, que chegaram a responder por 70% das vendas no País.
Hoje classificados como “carros de entrada”, que são os mais baratos de cada marca, já não são tão atrativos em preços e são tecnologicamente defasados. Por isso, não têm condições de receber melhorias em segurança e eficiência energética.
No próximo ano, a legislação estabelece índices menores de emissão de poluentes para todos os novos carros produzidos no País. Em 2024, todos terão de sair de fábrica com controle eletrônico de estabilidade (ESP).
O sistema atua nos freios e evita que o motorista perca o controle direcional em curvas ou desvios de trajetória, garantindo maior segurança.
Motivo similar levou a Volkswagen a aposentar a Kombi em 2013, aos 56 anos, quando ainda era a perua mais vendida no Brasil.
O compacto Gol, hoje com 41 anos, embora ainda seja o carro mais vendido da marca (praticamente empatado com o SUV T-Cross), não tem mais a mesma representatividade que tinha nos 27 anos em que foi líder de mercado, de 1987 a 2014. Sua aposentadoria está prevista para o fim de 2022.
O Uno talvez saia ainda este ano, embora a Fiat não confirme. O modelo que levou a marca ao status que tem hoje vendeu 19,3 mil unidades neste ano, enquanto o líder da marca, o Argo, vendeu 73,8 mil.
Geração
“O Gol marcou uma época e era o sonho de consumo de muitas pessoas, principalmente as versões esportivas”, diz Fernando Almeida, de 52 anos, funcionário de uma empresa de cabos elétricos em Curitiba (PR).
Aos 18 anos, quando era office-boy, o Gol GT, lançado em 1984, era seu maior fascínio, e depois o GTI, o primeiro carro feito no País a ter injeção eletrônica, em 1988.
Sem dinheiro para comprar o que na época era carro de luxo, Almeida só realizou o sonho a partir de 2004 quando, já estabilizado financeiramente, começou a adquirir versões esportivas antigas do Gol da primeira geração e hoje tem uma coleção com 25 exemplares, além de outros modelos como Passat, Saveiro e Opala.
No período em que a primeira geração do Gol foi lançada, havia poucas marcas no País; hoje há muito mais “e os modelos são muito parecidos, o que diminui a sedução que tinha naquela época”, afirma Almeida, que já presenteou os filhos de 7 e 11 anos com dois dos seus clássicos para quando puderem dirigir.
O Gol foi projetado e desenvolvido no Brasil. É o carro mais produzido pela Volkswagen na região, com 8,6 milhões de unidades.
Teve diferentes configurações, da primeira versão “quadrada”, de 1980, até o atual Gol “bolinha”, que ao longo dos anos passou por várias modificações.
Foi também o primeiro a ter motor flex, em 2003. De janeiro a outubro deste ano, foram vendidas 51 mil unidades do Gol – 67% foram para frotistas.
Segundo o presidente da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si, o substituto do Gol como carro de entrada chegará ao mercado em 2023, o Polo Track, uma versão mais despojada do Polo. O Gol mais barato custa hoje R$ 67,8 mil, e o Polo Track vai custar mais de R$ 70 mil.
Di Si admite que o desafio da Volkswagen é como posicionar a imagem da marca diante de pessoas acostumadas a buscar um carro popular. “Vamos ter de aprender a lidar com isso e comunicar de forma clara que mudanças são necessárias e positivas, pois garantem mais segurança aos consumidores”.
Fim do popular
Em 37 anos, o Uno teve apenas uma grande mudança no design, em 2010. Até agora, também é o mais vendido da Fiat e teve 4,3 milhões de unidades produzidas, grande parte da versão Mille, de 1990, o primeiro com motor 1.0.
Das 19,3 mil unidades vendidas neste ano, 97% foram para frotistas. Seu substituto já está no mercado há algum tempo – o Mobi, cujas vendas superam 62 mil unidades.
“O Uno é responsável pela motorização de muitos brasileiros”, afirma Cássio Pagliarini, sócio da Bright Consulting. Para ele, os dois ícones devem ser os últimos de grande longevidade, pois o mercado não terá mais dinossauros como Uno, Gol, Fusca e Kombi. A média de tempo de permanência no mercado vem reduzindo ano a ano.
Com as aposentadorias de Uno e Gol, vão sobrar apenas dois modelos na lista dos carros de entrada, o Mobi e o Renault Kwid, de gerações mais recentes.
O que vem pela frente no segmento são carros de entrada superiores aos que havia anteriormente e, consequentemente, mais caros.
“Não dá mais para imaginar carros tão simples; os modelos de hoje têm muito mais tecnologia, algumas delas regulatórias nas áreas de eficiência energética, consumo e segurança”, diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea (associação das montadoras).
Por razões similares ao que ocorre com Uno e Gol, acrescidas de queda de vendas, outros carros de prestígio estão se despedindo do mercado, como os Honda Fit e Civic, substituídos recentemente pelas versões hatch e sedã do novo City.
Na fila de saída estão Voyage e Saveiro, que usam a mesma plataforma do Gol; Siena e Doblò, da Fiat; e Joy, da General Motor. Mais à frente sairão Sandero e Logan, da Renault.
Por ser um dos nomes mais fortes da indústria automobilística brasileira, Pagliarini acredita que a Volkswagen pode batizar de Gol outro novo modelo, talvez um SUV compacto. “Normalmente a marca só muda o nome do produto quando altera seu público alvo.”
Após 14 anos de vendas do Gol ‘quadrado’, o G1, a Volkswagen deu cara totalmente nova ao Gol com o modelo ‘bolinha’.
A última reestilização, mantida na versão atual, ocorreu em 2018 para a atual geração (G8). Por ser um dos nomes mais fortes do setor, Gol pode ainda batizar um novo carro da marca, talvez um SUV compacto.