Durante 12 dias, o Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (GP-QAT/UEA) realizou a terceira expedição de uma das maiores iniciativas de monitoramento ambiental do mundo: o Programa de Monitoramento da Água, Ar e Solos do Estado do Amazonas (ProQAS/AM).
Na última viagem do ano, a equipe, composta por oito profissionais, percorreu mais de 1.780 quilômetros pelo rio Madeira com o objetivo de coletar dados, analisar alterações e identificar possíveis alertas ambientais na região.
A inciativa possui parceria com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e o Grupo Atem.
Trabalho de campo
Intitulada Iriru 3, a terceira campanha do GP-QAT pelo Madeira partiu de Manaus no dia 9 de agosto, com foco em identificar, partir de 164 parâmetros do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a qualidade da água, dos peixes e dos sedimentos de um dos principais afluentes do rio Amazonas, essencial para o desenvolvimento econômico e ambiental de municípios como Borba, Manicoré, Humaitá, Nova Olinda do Norte, Urucurituba e Novo Aripuanã.
A maior parte das amostras coletadas será submetida a estudos em laboratórios da Escola Superior de Tecnologia (EST/UEA). As análises de mercúrio e metilmercúrio serão levadas ao laboratório da Harvard John A. Paulson School of Engineering and Applied Sciences, parceira internacional do grupo, sediada em Boston, nos Estados Unidos.
Desde 2022, o grupo atua de forma interdisciplinar, com o envolvimento de pesquisadores das mais diversas áreas da ciência.
O barco, que leva o nome do pesquisador Roberto dos Santos Vieira, dispõe de uma metodologia contínua de monitoramento ambiental nas bacias hidrográficas do Amazonas, tendo como prioridade regiões com histórico de pressão antrópica e degradação crescente.
A logística das campanhas é cuidadosamente planejada para garantir representatividade espacial e temporal das coletas. Além disso, o grupo tem investido em capacitação técnico-científica de estudantes e jovens pesquisadores da região em fortalecimento à formação local em ciências ambientais.
Alterações químicas e biológicas nos ecossistemas
O coordenador do ProQAS/AM, Prof. Dr. Sergio Duvoisin Junior, destaca a importância da infraestrutura laboratorial instalada pelo GP-QAT, e ressalta que ela permite acompanhar com precisão alterações químicas e biológicas em ecossistemas e identificar contaminações em diferentes espécies e ambientes da bacia do rio Madeira.
“A robustez da infraestrutura laboratorial é inédita na região e permitirá análises detalhadas de múltiplos parâmetros ambientais, possibilitando que os resultados sirvam de referência para estudos semelhantes em outras áreas da Amazônia.”
Para o reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, o trabalho dos pesquisadores reforça a relevância da pesquisa científica para a sociedade.
“A experiência das equipes envolvidas, fortalece a capacidade da UEA de gerar informações estratégicas sobre fenômenos ambientais complexos, identificar alterações químicas e biológicas na água e nos ecossistemas. Esse trabalho como um todo eleva a ciência na Amazônia e a parceria com instituições nacionais e internacionais é fundamental complementando esse estudo para promover o desenvolvimento científico e sustentável a nível internacional”.
Coleta de amostras
Antes da chegada a Humaitá, primeiro ponto de coleta entre os 54 totais, separados por 14 quilômetros cada, parte da equipe inicia as atividades de campo com paradas estratégicas em outros municípios e comunidades ribeirinhas ao longo do trajeto, onde dialoga com moradores e pescadores para identificar quais espécies de peixes, principal fonte de alimentação da população local, são mais consumidas e qual a sua origem.
Esse processo segue com a compra de unidades em mercados e demais pontos de comercialização. A análise dessas amostras é realizada devido à importância dos peixes como fonte alimentar para a população. Entre as espécies coletadas estão, jaraqui, pacu, matrinxã, traíra e sardinha.
Do ponto 1 ao 54, que vai de Humaitá até desaguar próximo a Itacoatiara, a equipe de coleta se separa do restante da tripulação em uma lancha, meio de locomoção que acelera o processo de ida entre um ponto e outro ao longo de aproximadamente 9 horas até o retorno ao barco no final da tarde.
Equipamentos portáteis de medição de poluição
São utilizados kits de coleta e equipamentos portáteis para a medição in loco das variáveis ambientais, como a sonda multiparâmetro, responsável por aferir o pH, a temperatura da água e do ar, a condutividade elétrica e o oxigênio dissolvido. Já a turbidez da água é avaliada com o auxílio de um turbidímetro portátil.
Apesar da agilidade proporcionada pela coleta em lancha, a equipe constantemente enfrenta as condições climáticas típicas da região, como chuvas fortes, calor intenso e correntezas, que dificultam a navegação e a realização das coletas.
Trechos de difícil acesso, como bancos de areia e margens com vegetação densa, também tornam o processo mais lento e exigem atenção constante. Embora se depare com contratempos, o GP-QAT busca manter o cronograma previsto e a qualidade técnica.
Análises na embarcação
Dividida em quatro laboratórios, outra parte da equipe é designada para realizar diferentes análises dos kits de coleta, compostos por cinco frascos com volumes variados, cuja maior parte será examinada ainda a bordo.
Entre os parâmetros avaliados estão coliformes totais e termotolerantes, demanda bioquímica de oxigênio (DBO), demanda química de oxigênio (DQO), nitrito, nitrato, nitrogênio orgânico, nitrogênio amoniacal, nitrogênio total, fosfato, fósforo, cloretos, sólidos dissolvidos totais, metais solúveis e metais em suspensão.
Todos esses processos são feitos em espaços adaptados, que permitem a realização de análises físico-químicas e microbiológicas em tempo real.
Cada um dos laboratórios é destinado a etapas específicas do processo, como preparação de reagentes, filtração de amostras, conservação e registro dos dados. A estrutura foi planejada para garantir eficiência e precisão nas análises mesmo em ambiente fluvial, tendo em vista a otimização do tempo entre as coletas diárias e o processamento das amostras, o que reduz significativamente o risco de contaminação e degradação do material.
Contaminação do ecossistema por mercúrio
De acordo com dados obtidos em expedições anteriores, a contaminação do ecossistema pode estar diretamente relacionada à intensa atividade de garimpo ilegal, que opera constantemente com o mercúrio, empregado nesse processo para separar o ouro dos sedimentos.
Essa prática, apesar de proibida, faz parte do cotidiano de muitos ribeirinhos. Pescadores costumam dividir o tempo diário entre a agricultura familiar e a extração do minério. Em grande parte, a exploração garimpeira é fonte de renda primária para as famílias desde a década de 80.