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24 de abril de 2024 | 16:13

Artigo: diversidade nos tribunais

*Dr. William Douglas

Um tema mal compreendido é a diversidade nos Tribunais. Não se pode jamais esquecer que a primeira, essencial e basilar preocupação é que os magistrados cumpram os requisitos da probidade, competência técnica e eficiência. O primeiro sinal e a mais nobre consequência dessas qualidades é a submissão à Constituição Federal.

 

A Lei Magna provém do titular do poder, o povo, estando acima de qualquer outra norma ou sabedoria que se possa ter. Isso posto, então se pode abordar um tema secundário em relação ao primeiro, mas de enorme relevância social: as Cortes precisam ter diversidade e representatividade.

 

É fato que uma Corte só de homens brancos que sejam detentores das virtudes básicas cumprirá sua função jurídica, o que é prioritário. Contudo, deixará de trazer para a sociedade algo que apenas uma Corte multifacetada e plúrima é capaz. Nesse passo, qualquer fotografia dos membros de  nossos Tribunais  mostra um déficit de representatividade social que precisa ser enfrentado e corrigido.

 

Lutero disse que preferia ser governado por um muçulmano sábio a um cristão tolo. Eu também: não me importo com a religião, cor ou gênero do juiz, desde que ele cumpra a Constituição e as leis,  buscando fazer Justiça.

 

Resolvido isso e alcançada essa compreensão, de que a Justiça está acima de cor de pele, gênero, religião ou o que for, ou seja, após cumpridos os requisitos morais e técnicos, o próximo passo para uma democracia rica e vibrante, próspera e completa, é que as Cortes tenham um mínimo de representatividade da sociedade que ela deve julgar.

 

A diversidade ajuda a trazer para os julgamentos experiências distintas que contribuem para a busca pela melhor solução. Por menor que seja uma pedra, já diziam os japoneses, ninguém consegue ver todos os seus lados. O fenômeno jurídico, político e social também ganha quando há ângulos de visada diferentes, luzes partindo de histórias, grupos e subculturas diversas. Essas vozes e esses pontos de vista são preciosos para os debates nas Cortes.

 

Um outro benefício dessa pluralidade é a conexão, inspiração e confiabilidade que a presença de juízes mais parecidos com a população traz para os diversos grupos. Assim, ainda que não proporcional (vez que este não é o critério primordial), é muito recomendável que, dentre os capazes (e eles estão em todos os grupos) se busque representar ao menos os grupos mais significativos.

 

Todos os grupos são importantes do ponto de vista qualitativo, mas devido ao reduzido número de componentes das Cortes nem sempre será possível a presença de todos. Diante dessa contingência, é saudável termos ao menos representados os grupos quantitativamente mais significativos na população.

 

Mesmo quando eu estava cotado para uma indicação ao STF, mencionei a importância de termos negros e mulheres nos Tribunais. A última indicação ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo, buscou representar a visão de mundo de um terço dos brasileiros e que ainda estava ausente no Pretório Excelso.

 

Agora, quando se aproxima a abertura de uma nova vaga, mais uma vez a sociedade volta o olhar para quem será indicado.

 

A escolha é exclusiva do Presidente da República, submetida ao crivo do Senado Federal. Logo, se não priorizar a diversidade, um critério secundário, não estará de modo algum errando. Porém, assim como na posse buscou representar um pouco mais o povo brasileiro, imagina-se que deva prestigiar mulheres e negros.

 

Há excelentes homens brancos e se um for escolhido, ótimo, mas se além das qualidades essenciais se buscar alguém que traga esses outros olhares, a escolha deverá ser duplamente comemorada.

 

Infelizmente, os Tribunais ainda são percentualmente pouco representativos das mulheres e dos negros. Na primeira instância, os concursos e as cotas tendem a acelerar a correção dessa falta de riqueza de gênero e cor. Nos Tribunais, a solução tende a demorar mais um pouco, pois boa parte o preenchimento depende de antiguidade. Uma solução mais completa demanda necessariamente mais tempo.

 

Contudo, as promoções por merecimento, as indicações ao quinto da Advocacia e do Ministério Público e as escolhas para os Tribunais Superiores podem ser objeto de uma ação mais veemente por parte das instituições e autoridades que as realizam.

 

Nesse passo, o Ministério dos Direitos Humanos do último governo endereçou à OAB a sugestão de fazer incluir mulheres e negros, ou, ainda melhor, mulheres negras, nas listas para o quinto. O TRF2, do qual tenho a honra de fazer parte, vem tendo esse olhar ao votar as listas de merecimento e do quinto constitucional. Outras instituições também têm tido essa percepção ao escolher seus dirigentes.

 

Esse cuidado ocorreu na OAB/RJ, e em seguida no TJ/RJ, os quais, ao elaborarem um total de três listas tríplices para o TRE/RJ, tiveram a felicidade de incluir nelas um advogado e professor negro, Dr. Leonardo Oliveira Silveira Santos Martins. Os nove nomes indicados possuem as virtudes básicas, qualquer escolha será excelente, mas não podemos perder a oportunidade de escolher o único negro entre nove nomes. Na lista seguinte, foi indicada a recondução da Dra. Kátia Junqueira, de forma que não se reduza o número atual de mulheres no TRE/RJ, outro cuidado salutar.

 

Oportunidade igualmente valiosa que se apresenta é para o STF, para o qual recentemente se mencionou o nome da Desembargadora Federal Simone Schreiber. Além de ter todas as virtudes que a Alta Corte demanda, a Desembargadora é escritora e professora com sólida carreira acadêmica e uma mulher que também traz algo que deveria estar mais bem representado no Supremo: a magistratura de carreira.

 

Sem qualquer desdouro a ótimos nomes sem essa experiência, a verdade é que os longos anos de carreira na primeira e segunda instâncias, com intensa convivência com os cidadãos dos rincões mais simples aos mais sofisticados, proporcionam uma sabedoria própria que apenas muitos anos de judicatura podem construir.

 

Nesse passo, vale a comparação com a carreira militar: um General precisa ter sido Tenente, comandado a tropa, crescido aos poucos na carreira, para só então assumir a função de comando maior. Cremos que pelo menos seis dos onze ministros deveriam ter essa experiência, sugestão que consta em propostas de alteração legislativa em trâmite no Congresso Nacional.

 

Enfim, de forma direta para os dois excelentes nomes citados, uma mulher e um negro, e de forma geral me referindo a todos os excelentes juristas presentes nesses dois relevantíssimos grupos de nossa rica e diversa sociedade, este texto é para declarar a torcida por Cortes com cor e gênero mais parecidos com o que temos na nação brasileira.

*William Douglas é  Professor de Direito Constitucional, Escritor e Desembargador Federal no TRF-2.

 

 

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